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Resenha | Ciranda de Pedra - Lygia Fagundes Telles

20:51Henrique Machado

FICHA TÉCNICA 

Nome: Ciranda de Pedra
Autora: Lygia Fagundes Telles
Páginas: 224
Gênero: Romance | Romance de Formação 
Ano: 1954 | 2009
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Quando um casal de classe média se separa, a caçula, Virgínia, é a única das três filhas que vai morar com a mãe. É do ponto de vista dessa menina deslocada e solitária que se narram os dramas ocultos sob a superfície polida da família. Loucura, traição e morte são as forças perversas que animam esse singular romance de formação, que já na época de seu lançamento, em 1954, chamou a atenção para o talento e a originalidade da literatura de Lygia Fagundes Telles. Saudado com entusiasmo por intelectuais como Antonio Candido, Paulo Rónai, Otto Maria Carpeaux e Carlos Drummond de Andrade, Ciranda de Pedra mantém-se há meio século como um dos livros mais amados da autora.
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Imagine encontrar-se presa a uma vida de infortúnios constantes, de certa forma sozinha. Uma existência aparentemente menor, impedida da vida como resposta a ações de outros. Uma mãe que hora está distante, em um mundo coberto por raízes, e hora tão perto, aficionada pelas memórias de um amor que a fizera largar tudo. Uma figura paterna pela qual se nutre o ódio e o amor, tudo assim, ao mesmo tempo. Um amor de infância, uma ciranda para a qual não há espaço para você. Bom, essa é a vida de Vírginia. Ao menos, uma parte dela.

O chão de Virgínia parece ter sido tirado muito antes dela sequer entender o que era o chão. Tudo isso por uma escolha da própria mãe, Laura, que se rendera a um amor “proibido” e largara sua família para viver com o ele, o nome que não deve ser pronunciado, mas conhecido por Virgínia como Daniel. Aquele homem que também largara tudo para cuidar de sua mãe enferma. Fora como o castigo divino que Bruna, irmã de Virgínia havia proferido. Render-se ao amor verdadeiro… será esse um crime tão horrendo assim? Teria, verdadeiramente, caído o castigo divino sobre o casal que vivia um amor proibido?

Bom, talvez isso nem importasse mais, ou talvez sim. A questão é que Vírgina estava tão ocupada pelas mazelas da vida que parecia ter espaço apenas para a dor. A dor da rejeição, da solidão, do amor não correspondido, das palavras de Bruna, do descaso de Otávia, do relacionamento raso para com o pai, quase pai. Tudo era um sofrimento para ela. Desde pequena, isolada. “Não há espaço para você nessa ciranda, Virgínia”. Essa era ela, uma garotinha sofrida, com “olhos de quem já viu coisas horríveis”. Uma beleza velada.

Virgínia cresce, passa boa parte de sua vida em um colégio interno de freiras. Lá se torna culta, aprende línguas, até que faz seu grande retorno, apenas para encontrar tudo igual. quer dizer, quase igual. Todos possuem seus segredos, até mesmo Conrado, o príncipe encantado por quem ela esperou a vida toda. O único que parecia prestar em toda essa história. Já Letícia, a estranha da roda, se tornou bem sucedida no mundo dos esportes. Otávia continua dando a mínima para os outros, vive sua vida de artista, de casos e descasos. “Não presta”, é o que ela sempre diz para suas obras. Tudo estava igual, mas também diferente.

Virgínia sempre aceitou o ruim em sua vida, e por isso parecia que se tratava apenas disso: da dor. Sua capacidade infeliz de colocar-se como menor perante os demais, excluída, fazia também com que as atitudes imaturas dos que estavam a sua volta se atenuassem. A verdade é que Virgínia não era menor que ninguém, era tão pequena quanto eles, e também tão grande.

Cada um com seus segredos, suas falhas imperdoáveis, seus desejos, anseios, medos e dramas. Cada um assim, vivendo. Virgínia finalmente entendeu. Sua viagem agora seria outra. Uma viagem com um outro destino, uma vida para a vida.

Tendo sua primeira edição lançada em 1954, escrito pela romancista Lygia Fagundes Telles, Ciranda de Pedra é um livro sobre a vida, sobre os infortúnios que caem sobre nós e sobre o redescobrir-se em meio de tantas desventuras. É um livro simples, porém tão complexo. Cada uma de suas páginas preenchidas pelas reflexões poéticas e sinceras de Virgínia sobre a vida. Reflexões tão fascinantes, e por muitas vezes, entristecedoras.

A autora que revolucionou o romance de sua época, narra com excelência a vida de Vírginia. Expõe em palavras o interior mais profundo daquela menina-mulher. Nos conduz ao redescobrir da personagem, junto a ela. Palavras densas, carregadas de significados. Palavras sobre a vida, sobre a morte, sobre o amor e sobre a loucura.

Ciranda de Pedra é, facilmente, uma leitura de apenas um dia, mas de significados para uma vida. Apaixonante, completo, sincero. Um livro para carregar consigo, na mente e no coração.

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