featured livros

Resenha | A alcova da morte - Enéia Tavares, Nikelen Witter e A.Z. Cordenonsi

16:50Ayllana Ferreira

Resultado de imagem

FICHA TÉCNICA

Nome: A alcova da morte
Autores: Enéia Tavares, Nikelen Witter e A.Z. Cordenonsi
Páginas: 229
Gênero: Suspense | Histórico | Ação | Ficção
Ano: 2017
Editora: AVEC
Sinopse: Brasil, 1892. Durante a noite de inauguração da estátua do Corcovado, um horrendo crime toma de assalto a alta sociedade carioca. Para resolver o mistério, a investigadora particular Maria Tereza Floresta, o engenheiro positivista Firmino Boaventura e o dândi místico Remy Rudá terão de se embrenhar numa perigosa trama de poder e corrupção. O que parece mais um caso, aos poucos se revela um plano que põe em risco o futuro de todo país e para impedi-lo, a agência de detetives Guanabara Real terá de usar toda a sua perícia para solucionar os enigmas tecnológicos e os mistérios arcanos da sangrenta Alcova da Morte!

Uma trama de investigação policial. Um enredo de ficção científica. Um crime de horror sobrenatural. Três autores, Três heróis, em um Rio de Janeiro que nunca existiu!


_________________________________________________________________________________


Como leitora, para mim, uma das melhores surpresas que posso ter é descobrir que aquele livro que estou lendo e que em algum momento não coloquei tanta fé em seu potencial, é na verdade uma obra excepcional que consegue romper com todos os clichês e “jogadas manjadas” de seu gênero, sendo muito mais do que “apenas ficção” ou “apenas romance”.

A alcova da morte foi um livro escrito em conjunto por três maravilhosos escritores Brasileiros: Enéia Tavares, Nikelen Witter e A.Z. Cordenonsi. Embora seja uma obra primordialmente com um tom de romance policial, em seu miolo há de tudo, desde uma pegada mais sobrenatural até mesmo aos dramas presentes em qualquer boa tragédia.

Depois de um crime brutal na inauguração da estátua do Corcovado, cabe à agência de detetives Guanabara Real descobrir os culpados do ocorrido. Na cena do crime, há um engenhoso sistema de disparos, responsável pela morte da vítima, elaborado por um engenheiro muito habilidoso e inteligente. Ao mesmo tempo, há também símbolos pintados a sangue, cultuando uma das entidades mais antigas e sombrias de todos os tempos, ressaltando vestígios de misticismo no ato. Seria o atentado a) um ritual de sacrifício B) um crime tecnológico e científico ou c) uma atrocidade que mistura as duas realidades que são como água e óleo?! E a resposta ceeeerta é, letra C. E é a partir dessa premissa que todo o charme e inovação da trama é construída.

E como se já não bastasse a morte cruel que amedrontou a população do Rio, crianças de todos os gêneros, idades e classes sociais estão desaparecendo. Novamente, fica a cargo da agência de detetives descobrir o que está acontecendo antes que mais jovens sumam.

A alcova da morte é narrada a partir de três pontos de vista, Maria Tereza Floresta, uma mulher forte e batalhadora que é a dona da organização; Remy Rudá, um indígena com uma infância trágica que encontrou respostas para suas inquietações no misticismo – um dos investigadores da agência; e Firmino Boaventura, um homem negro, marcado pelo preconceito – o contexto da obra é um pouco após o fim da Escravidão, 1892, uma época em que negros ainda eram considerados como animais e inferiores -, dono de uma mente brilhante e de um braço mecânico.

Um trio bem contraditório, não é mesmo?! E a contradição é tanta que Remy e Firmino vivem em pé de guerra, cabendo a M.T ser o meio termo entre os dois. Contudo, juntos, eles formam uma equipe quase invencível, a razão e o espírito, a lógica e o sobrenatural, a ciência e o misticismo, como podem ver, o equilíbrio perfeito. Fora a força e audácia sempre presente na investigadora.

A construção dos personagens é excepcional. Todos eles são seres complexos, densos e fortes, marcados por experiências traumáticas. Falando em traumas, é interessante ver o tom de denúncia social utilizado na história, reforçando os impactos do preconceito e do racismo na vida das pessoas. É curioso que mesmo o tempo da obra sendo dois séculos atrás, várias situações abordadas correspondem ao nosso cotidiano. E como digo, nada melhor do que a ficção para mostrar que situações inimagináveis, e que não deveriam ocorrer, estão mais vivas do que nunca.

Com relação a narrativa em si, um grande acerto dos autores foi elaborá-la e dividi-la a partir do olhar dos três investigadores. A alternância entre os três pontos de vista provoca um tom de intimidade entre leitor e personagens. Parece que estamos dentro da história, conhecendo um pouco mais de cada um deles e compreendendo um pouco mais de suas personalidades. A alcova da morte foi um livro que me surpreendeu de várias maneiras boas. De todos os seus aspectos e características, são os seus personagens que fazem com que a narrativa se torne ainda mais única. Eles trazem densidade e emoção para aquela história, fora o equilíbrio necessário para conseguir permear entre outros gêneros sem se tornar cansativo ou exagerado. Em algumas páginas, vê-se desde ficção a algo mais policial, e esta mudança ocorre de maneira natural.

Para tornar tudo ainda mais espontâneo, a escrita que compõe a narrativa é simples e fluída, fazendo com que muitas páginas se passem em um piscar de olhos. É importante dizer que algumas palavras utilizadas não são comuns. Acredito que os autores buscaram ao máximo criar uma história fidedigna com o tempo no qual foi ambienta, dentro disso, o vocabulário é fundamental para tornar tudo ainda mais plausível, posto que a língua vive se transformando com o decorrer dos anos.

Ao longo do livro, é possível encontrar algumas belas ilustrações que correspondem “aos jornais da época”. Acredito que o uso desse recurso visual contribuiu para uma melhor compreensão do caso em que a Agência estava investigando, além de enriquecer a própria narrativa, exaltando novamente o tom de realidade que disse anteriormente. Foi uma alternativa muito inteligente para aumentar a visibilidade do leitor com a trama que se desenrola naquelas páginas.

Falando dessas ilustrações, não podemos esquecer da diagramação da Avec. Como sempre, a capa é maravilhosa. As passagens de capítulo parecem como registros feitos por cada um dos personagens, o que traz ainda mais coerência para o contexto de escrita escolhido pelos autores. Por fim, as ilustrações finais que acompanham as últimas páginas contribuem para compreendermos um pouco mais de quem são cada um dos personagens que protagonizam aquela história.

Antes que eu me esqueça, é imprescindível falar do final. O domínio de escrita e o talento dos escritores é perceptível em seu desdobrar. A maneira encontrada para guia-lo foi excepcional. Por mais que a resolução de tudo tenha sido de certa forma previsível, seu desdobrar foi COMPLETAMENTE imprevisível. E isso é o que torna tudo ainda mais impressionante, conseguir ser original e criativo mesmo com algo que as pessoas já imaginavam.


E é esse o sentimento que mais predominou enquanto eu lia A alcova da morte. Geralmente, quando leio romances policiais, sinto que estou lendo mais do mesmo, tanto que é um estilo que prefiro evitar. É sempre algo que só a ciência resolve, e que é relativamente simples de solucionar quando todas as provas estão ligadas. Mas desde as primeiras páginas, o livro anunciou criatividade e ousadia. Não era só suspense, era muito mais que isso. Talvez, o suspense seja só uma pequena caixinha em meio a imensidão de conteúdo e a magnitude de desenvoltura na escrita que compõe a A alcova da morte.


Veja também:

0 comentários