featured reflexões

Eu quero ser roxo!

14:55Henrique Machado


"Tudo era tão novo, intenso. Inocente, até. Cada uma das sensações, das cores, dos sons, das vibrações, dos olhares e abraços. Cada uma daquelas palavras ditas e pensadas. Cada um daqueles sonhos que se tornavam real durante a noite. Todas as noites! Eu era quente. Fervendo, na verdade. Tão quente que às vezes fui capaz de me queimar com meu próprio fogo. Eu era vermelho. 

Mas eu não era imune ao meu fogo. Por muitas vezes me queimei. Algumas queimaduras não deixaram marcas, já outras deixaram seu rastro de destruição por todo o meu ser. Eu era quente, e acabei me queimando demais. 

Com o tempo, depois de tantas queimaduras, o fogo foi se apagando. Afinal, já não havia mais nada que o alimentasse. Meus sonhos, todos destruídos. Os sons? Já não os ouvia mais. As cores... ah, as cores... todas se tornaram sujas, opacas, sem vida. O fogo já era, assim como eu. Me tornei frio. Me tornei azul. 

Assim como o calor, o frio queima. Queima minha alma, meu corpo e minha mente. Queima tudo que restou em mim depois do caos provocado pelo fogo. Tudo esse que já era quase nada. Assim como o calor, o frio me destrói, me machuca e deixa cicatrizes. O frio queima. O calor também. 

Fui queimado de todas as maneiras possíveis, no entanto, ainda continuo aqui. Não sei o que esperar, nem o que irá acontecer. Mas sei de algo: ainda que eu tenha pouco, eu daria tudo, apenas para me tornar roxo. "


Escrevi esses pensamentos enquanto indagava sobre as mazelas da vida que enfrentei. Sobre como ganhei feridas causadas pela minha intensidade insana, e sobre como elas foram abertas e reabertas devido a frieza que me tomou ao longo dos anos.

Crescer é sempre uma batalha, no entanto, mais do que os obstáculos externos que fazem com que o caminho seja difícil, a verdadeira batalha acontece dentro de nós. Há sempre uma luta a ser travada, um dilema a ser resolvido, um paradigma a ser quebrado. E no fim, o que de fato importa? Existe o certo e o errado? O bem e o mal? É tudo tão preto no branco e branco no preto?

Bom, para mim foi azul e vermelho. Durante um tempo fui o vermelho mais intenso, mais quente que podia existir. Mas com o decorrer da vida, com as decepções, os relacionamentos abusivos, o estresse e a incapacidade de compreender e ser compreendido, aquele vermelho cedeu espaço a um azul. Um azul gelado, que diferente de outros, está longe de trazer tranquilidade.

Hoje o vermelho chora, enquanto sua espada branda pelos ares tentando derrotar os punhais que o azul possui em mãos. Ambos estão cansados, desorientados. Perdidos. Não sabem mais se devem existir, ou o porquê de tanto brigarem entre si. Hoje eu sou azul e vermelho. Sou uma briga constante entre duas cores que ficariam tão perfeitas se estivem juntas.

Eu sinto falta da minha intensidade, mas sei que preciso de certa frieza para encarar alguns obstáculos da vida. Eu sinto falta do queimar do vermelho, mas sei que não posso desistir do frescor do azul. Então o que fazer? Se apenas a vida fosse como um balde de tinta e com essas duas cores eu pudesse formar uma mais nova. Uma cor que queima sem arder, e gela sem doer. Uma cor calma, mas viva. Uma que pudesse trazer o equilíbrio que sempre procurei.

Ah... se apenas eu pudesse ser roxo!


Veja também:

0 comentários