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Derek Shepherd - Lobo em pele de cordeiro

20:01Henrique Machado




Como um fã assíduo da série Grey’s Anatomy, ainda me questiono o porquê demorei tanto a falar sobre esse assunto. Seja pela falta de acesso a uma plataforma, ou pelo receio de como a recepção desse texto pode ocorrer, mantive minhas opiniões sobre esse - e alguns outros personagens - apenas em meu círculo próximo de amigos, aos quais eu tinha a certeza de que seriam discussões saudáveis. Mas aqui estou eu, pronto para falar de um assunto que definitivamente não é fácil, especialmente por estar tão ligado com a realidade. 

Derek Shepherd, protagonizado pelo ator Patrick Dempsey, com certeza é um personagem cuja construção é propensa a causar polêmicas entre os fãs da série. Ele, que começa como o “McDreamy”, ou seja, um cara perfeito para se viver um “romance proibido”, logo se mostra o que eu, particularmente, chamaria de McNightmare. Apesar de um bom cirurgião e sua personalidade inicialmente simpática, Dr. Shepherd se mostrou um homem com inclinações abusivas, e é sobre esse assunto que iremos falar hoje. 

Apesar das mil maravilhas que guiavam o relacionamento entre Grey e Derek, ao longo da série podemos notar que a evolução da relação entre os personagens acabou se tornando uma expressão clara de um relacionamento abusivo. Isso porque percebemos que Derek possuía determinado poder sobre Meredith, fazendo com que a mesma mudasse - em alguns casos a contragosto - apenas porque ele dizia que era errado ou problemático. Está certo que todos nós precisamos de alguns toques, afinal nem sempre percebemos como agimos, mas, nesse ponto, o doutor extrapolou nas exigências. 

Não sendo o suficiente, percebemos que Derek sempre colocava a si mesmo na frente de Meredith, e apesar de todos os discursos e ideologias que encontramos hoje em dia em que o amor próprio é que deve prevalecer, tenho fortes convicções quanto ao fato de que isso não deve ser feito de forma a menosprezar ou ignorar os sentimentos alheios - é responsabilidade emocional que fala, né!? - Por muitas vezes o personagem de Dempsey simplesmente passou por cima dos sentimentos e necessidades da Meredith para benefício próprio - como podemos ver no momento em que ele recebe a proposta de ir para DC e decide por sua conta, sem consultar a esposa, de que ela iria junto, independentemente se isso seria bom ou não para ela, seja no âmbito pessoal ou profissional, o que acaba gerando grandes conflitos entre o casal. 

Como uma série de ficção, representar situações como essa se fazem importantes, afinal relacionamentos abusivos estão por toda parte e, às vezes, é necessário ver o outro nessa situação para nos tocarmos de que somos semelhantes. Contudo, vejo dois principais problemas. O primeiro se encontra na forma como tudo isso fora construído na série, não colocando com todas as letras - já que, por muitas vezes, é necessário que se faça dessa forma para evitar ruídos na mensagem que está sendo comunicada - como aconteceu com o relacionamento da personagem Jo Wilson e seu ex-marido Paul. 

Ao não questionar ou falar do assunto, o público poderia assumir que só se caracterizam relacionamentos abusivos aqueles em que existe o uso de força física, sendo essa uma concepção errônea do assunto. Relacionamentos abusivos são caracterizados por existência de forças desproporcionais por parte dos envolvidos, onde um exerce mais força sobre o outro, seja ela física ou psicológica. Encontro aí o meu primeiro problema com toda a situação, já que isso deixa aberturas para interpretações perigosas, naturalizando algo que passa longe do normal ou saudável. 

O segundo problema está mais relacionado com a recepção. É sabido que quando se trata pessoas, nada pode ser levado tão preto no branco. Somos mais do que meras dualidades, o que deixa tudo mais complexo. Contudo, ao observar comentários em algumas postagens em blogs e redes sociais sobre o relacionamento de Derek e Meredith, desenvolvi algumas preocupações no que se refere ao posicionamento da fanbase. Vi - mais de uma vez - comentários que defendiam o personagem de Dempsey, alegando que não se tratava de um relacionamento abusivo e justificando tal afirmativa com o fato da cirurgiã geral (Grey) nunca ter deixado de fato o marido. O problema em tudo isso é que, na maioria dos casos, aqueles que estão presos em situações de abuso, não percebem, seja por um mecanismo psicológico de autodefesa ou pela própria força que o outro exerce sobre essa pessoa, a fazendo acreditar que está tudo bem e que relacionamentos são assim, quando na verdade, relacionamentos saudáveis estão longe de serem dessa forma. 

Não há dúvidas quanto às habilidades como cirurgião de Derek Shepherd, contudo, assim também fora com Paul. Ambos são de renome, mas, também, homens abusivos. Não podemos defender ou justificar as atitudes de Derek baseado em sua simpatia ou suposta beleza física, tampouco sobre o pretexto de que Meredtih não o largou. Isso seria fechar os olhos para o que realmente estava acontecendo. E basta olhar para todas as vezes que Grey ficou distante de Derek para percebemos como seu desenvolvimento está carregado de muito mais força e destreza do que quando ele está em sua vida. 

Indo ainda mais longe, não é segredo nenhum de que Patrick era muito mais valorizado dentro da série do que Ellen, cujo papel era, nada mais nada menos, que a protagonista da coisa toda. Enquanto, na vida real, o ator que dá vida ao personagem tem mais presença que a própria protagonista, na ficção essa situação se repete, fazendo com que na história de Meredith, Dr. Shepherd possua mais força, especialmente sobre ela (personagem). Dessa forma, fechar nossos olhos para o que de fato acontece não ajuda em nada as milhares de mulheres - e homens - que estão presos em situações de abuso de poder (físico ou psicológico). 

Grey’s Anatomy continua, e continuará sempre, sendo a minha série favorita. No entanto, é preciso sempre estar de olhos abertos e prontos para criticar, afinal, se queremos conteúdos melhores e mudanças na realidade atual, precisamos agir e não naturalizar atitudes que definitivamente não são normais. 

Sei que para muitos esse post soará como algo vindo de um hater, contudo, apesar de minha antipatia pelo personagem ser clara, posso assegurar que nada do que digo aqui está carregado de ódio ou rancor por ninguém, mas sim de uma análise feita por mim ao longo do decorrer da série. Uma análise que eu poderia fazer de outros casais como, por exemplo, Christina e Burke ou Christina e Owen. 

A série continua a avançar, trazendo conteúdos cada vez mais necessários e relevantes para as discussões atuais. Críticas serão sempre polêmicas, mas são importantes para dar um passo a mais nas conversas que precisamos ter. E, por fim, que estejamos abertos a discutir sempre, com respeito e sabedoria.

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